quarta-feira, 10 de junho de 2009

Folhas - Letras & outros ofícios nº 12

O VERBO SALINAR

Eu ia a caminhar por aquela rua
(Eu caminhava por aquela rua todos os dias)
Até que de repente tropecei numa pedra.
Baixei-me para ver melhor a pedra.
Não era pedra: era um verbo.
De tropeção em tropeção
Lá fui o verbo conjugando.
Era um verbo da primeira conjugação
E ardia na língua quando o ia soletrando.

Era branco, o verbo
E havia em toda a parte:
Nas lágrimas, na pele
E especialmente no mar.
Experimentei dizê-lo
- Mas que coisa tão singular
“Eu salino”
Logo tu achaste engraçado
E também salinaste
E até o velho cansado
Nesse dia não cantou
Em vez disso salinou.

O mar foi-se enchendo de sal
E encheu tanto, tanto, tanto
Que passou a ser plural.
Foi então que, juntos, salinámos pelo mar fora
Enquanto vós também salinastes
E eles salinaram até ao romper da aurora.

Até que um dia, de tanto salinar, que grande tropeção
Todos tivemos um ataque de coração.

Andrea Henriques

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