quarta-feira, 10 de junho de 2009

Folhas - Letras & outros ofícios nº 12

BOLETIM DE NOTÍCIAS»
No ano de 1846 é publicado o primeiro jornal em Aveiro




É normalmente considerado O Campeão do Vouga como o primeiro jornal impresso e publicado em Aveiro. Marques Gomes assim o mencionaria nas suas Memórias de Aveiro editadas em 1875,
Este jornal politico, literário e comercial teve e o seu primeiro número publicado em 14 de Fevereiro de 1852.
Impresso no n.º 16 da rua Larga (actual rua de José Estêvão) era propriedade e administrado por Manuel Firmino de Almeida Maia tendo como seu redactor principal o pai do romancista Eça de Queiroz, José Maria de Almeida Teixeira de Queiroz, a residir então no solar de seu pai, o Conselheiro Joaquim José de Queiroz, em Verdemilho. Entre os seus colaboradores iniciais contavam-se, entre outros, José Luciano de Castro, o nonagenário poeta Francisco Joaquim Bingre e Bernardo de Magalhães.
No entanto, o jornal Conimbricense, na sua edição de 22 de Novembro de 1879, o seu responsável, Joaquim Martins de Carvalho (1822-1892), refere ter em seu poder dois exemplares, os números 2 e 4, de um pequeno periódico impresso «no papel fino das cartas mas de formato maior do que as de uso ordinário, em formato 4.º, impresso só de um lado, e publicado em 1846, com o título de Boletim de Notícias». Surgira este Boletim depois de, em Lisboa, a 6 de Outubro, ter ocorrido um golpe de estado palaciano, que ficaria conhecido como a «emboscada». Ocupava-se o mesmo, unicamente, com as notícias do movimento que se ia desenrolando por todo o país, mas referindo-se essencialmente ao que ia ocorrendo em Aveiro e no seu distrito. Lutava-se contra o golpe planeado por Costa Cabral e posto em prática por Saldanha, com o apoio de D. Maria II, que conduziu à exoneração e queda do governo do Duque de Palmela e à constituição de um ministério que continuaria uma politica governamental de cariz autoritário e centralista idêntica à instaurada pelo governo Cabralista. Desfaziam-se as últimas esperanças do movimento popular, iniciado no Minho, que ficara conhecido como a revolta da Maria da Fonte.
O novo governo, afim de melhor conter os protestos que naturalmente se desencadeariam, decreta, com a duração de um mês, a suspensão de todas as garantias constitucionais, provocando a suspensão de todos os jornais políticos, só permitindo, além do Diário do Governo, jornais científicos e literários.
Apesar da proibição governamental, e podendo mesmo ser considerado como clandestino, é publicado em Aveiro, no dia 11 de Outubro ás 11 horas da manhã, conforme se fez mencionar logo por baixo do seu título, o primeiro número do Boletim de Notícias. O n.º 2 é datado de 12 de Outubro e o n.º 4 tem data de 14 desse mesmo mês. Tinha edição diária e coincidia a sua publicação com o início da guerra civil da Patuleia.
Alertado por esta notícia Marques Gomes procedeu a investigações dando conhecimento das mesmas nas páginas do bissemanário Distrito de Aveiro (jornal de vida longa que foi publicado entre 1871 e 1909, sendo seu proprietário, director e redactor António Augusto de Sousa Maia).
Afirmava desconhecer a existência do Boletim de Notícias, o mesmo sucedendo com a maior parte dos seus conterrâneos, afirmando não saber quando saíra o primeiro número nem tão pouco quando terminara a sua publicação. Podia assegurar agora ter sido o mesmo publicado nesta cidade e que não se teriam chegado a editar vinte números, de acordo com a informação que lhe fora prestada por pessoa que participara na sua impressão. Rangel de Quadros, nos Apontamentos Históricos, refere a saída de apenas doze números, sendo os três primeiros redigidos pelo Governador Civil de Aveiro e os restantes pelo seu secretário-geral.
Ambos estavam errados no que ao número de edições dizia respeito, como veremos adiante.
Nada constava no Boletim de Notícias quanto ao local da sua impressão. À data apenas existiam duas tipografias em Aveiro. Uma era a do Governo Civil, criada pelo primeiro governador do distrito, José Joaquim Lopes Lima. A outra era propriedade de Joaquim António Plácido, onde não constava que à data se imprimisse jornal algum.
Confirmou-se que o Boletim de Notícias fora impresso e era propriedade do Governo Civil de Aveiro, redigido pelo próprio governador, Custódio Rebelo de Carvalho e pelo seu secretário-geral, José Pereira de Carvalho e Silva.
No seu segundo número o Boletim referia que o Distrito de Aveiro sempre resistira à tirania e que «por combatê-la tem tido tantos sofrimentos» pelo que «não podia receber sem protestar o que hoje se lhe preparava». Apenas constara em Aveiro que o partido Cabralista «esquecido da moderação e generosidade com que havia sido tratado se tinha revoltado», as pessoas influentes da cidade reuniram-se no Governo Civil tendo decidido sustentar a todo o custo o movimento nacional e tomaram as medidas que as circunstâncias exigiam. Assim, no dia 11, «reuniu-se a Guarda Nacional, vitoriou-se o povo, a coisa popular e a Carta, e acompanhados de um concurso imenso de povo dirigiu-se ao Governo Civil e seguiram-se as diferentes ruas da cidade, repetindo os mesmos vivas, que eram recebidos e respondidos com o mais decidido entusiasmo». Concluía «Em poucos dias estará armado todo o Distrito, e marcharão para onde se lhes ordenar tantas, ou mais forças do que as que já se prontificaram para salvar o País».
No seu n.º 4 noticiava, o Boletim, que o entusiasmo popular crescia de dia para dia e que o triunfo era já infalível. No que respeitava à situação em Aveiro informava que nesta «cidade patriótica se vai armar um corpo que marchará para Coimbra a fim de operar convenientemente», e que para Vila da Feira tinha partido o ilustre cavalheiro Mendes Leite afim de organizar um batalhão nacional móvel.
Como notícia de última hora informava que «por cartas particulares consta que os facciosos Cabralistas já foram escarmentados pelo povo nas imediações de Lisboa. Centenas de cidadãos têm saído daquela cidade a engrossar as fileiras das forças populares de Sintra, Vila Franca e outras localidades. A causa do Povo triunfará irremediavelmente da tirania dos Cabrais».
Mas Joaquim Martins de Carvalho voltaria a abordar a questão do Boletim de Noticias nas páginas do Conimbricense.
Em 4 de Maio de 1880 refere ter recebido numerosa correspondência oficial que fora dirigida, em Novembro e Dezembro de 1846, ao Marquês de Loulé, então Governador Civil de Coimbra, correspondência que ficara oculta naquela cidade para não cair nas mãos dos Cabralistas, quando as forças populares retiraram para o Porto.
Pois, entre toda essa correspondência encontrava-se um ofício do Governador Civil de Aveiro, datado de 22 de Dezembro de 1846, remetendo o n.º 33 do Boletim de Notícias, que tinha sido publicado em Aveiro nesse mesmo dia.
Se não foi o último número publicado poucos mais terão conhecido a luz do dia porque, na mesma data em que saiu a público o n.º 33, as tropas do Marechal Saldanha massacravam, em Torres Vedras, as forças «patuleias», iniciando o seu avanço em direcção ao Porto.
O Boletim de Noticias tinha, ingloriamente, cumprido a sua missão.


Jorge Campos Henriques

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