quarta-feira, 10 de junho de 2009

Folhas - Letras & outros ofícios nº 12


SEM TIMONEIRO


Assomei à janela do tempo e recordei a barca do teu olhar.
Sorvi na maresia das águas profundas as meias luas de promessas
E nas tuas redes vítreas rememorei cardumes de esperanças
Quando no verde da tua íris perdia o pé e me enredava na tua espuma
Quantas ondas, quantas marés, quantos maremotos naveguei!
Marinheira de água doce, com mestre de embarcação…

No barco ancorado do teu corpo aportei sem sobressalto
E voguei ao sabor dos dias e das noites com sabor a estrelas.
Flor de sal, alegre salpico de vida e de mar…
Veleiro enfunado de brancas velas de vitória
Regatas prazeirosas, sulcando doces vagas
Ventos de búzios entoando cantos de sereia.

Mas eis que uma tormenta assolou meu batel ao largo
Arrastado pela corrente deu à costa canal acima
E foi soçobrando numa ria de moliço
Que enlaçou meus remos e esverdeou meu casco
Cobrindo de perenidade e de algas minha proa altiva
Descerrando minha bandeira de afoita navegante.

Minha embarcação perecível naufragou nas águas salubres
E ancorou, sine die, no estreito quieto e aquoso
Na margem da vida, estibordo da saudosa partida
As cores de festa esmoreceram na ausência das viagens de mar alto
Entristeci nas águas paradas, no lodo do cais.
Sou moliceiro de Aveiro: não tenho moliço, nem timoneiro.


Ana Paula Mabrouk

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