segunda-feira, 21 de dezembro de 2009

Rei Mouro - Ana Paula Mabrouk

Rei Mouro



Num país à beira-mar plantado

Começa uma história banal

No centro de uma grande cidade

Em plena época de Natal.



Trata-se de um presépio vivo

De três pessoas composto

De um pequeno rei negro

concebido bem a gosto.



Mares e oceanos cruzaram

Engoliram fome e fel

Montando finalmente tenda

Em terras de leite e mel.



O pai, carpinteiro de profissão,

Ou não estivéssemos no Natal

Cedo encontrou nesta Babilónia

Torre na qual trabalhar.



Era um futuro centro comercial

Onde gambiarras de mil cores

Prometiam a felicidade eterna

Aos potenciais compradores.



Nem sequer imaginavam

Que a viga de madeira sustenta

O fruto do trabalho árduo

Que a loja de marca ostenta.

A Mãe, de seu nome Maria

Vive num palácio urbano decorado

De zinco, plástico e tijolo

Juntinha do seu bem amado.

Apenas as seringas espalhadas

Em volta do seu exíguo estendal

Entre linguajares desconhecidos

Lhe lembram a face do mal.



Vive entre o medo de regressar

E a esperança secreta de permanecer

Da terra natal as saudades

Os sonhos na terra do renascer.



É rainha mãe de um monarca

Promessa de um futuro melhor

Não é Jesus de Belém

Mas noutro deixará sua cor.


É já final de dia invernoso

Quando o sol abraça o mar

À porta assoma a mãe aflita

Em plenos pulmões a gritar.


É a cultura crioula que afirma

Que só há um modo de parir

Das veias de sangue quente

Voz alta terá que se ouvir.



Uma vizinha em socorro acode

Depressa um carro ao hospital!

Não posso, chora a pobre Maria

Aqui não sou mãe: sou ilegal!



Mulher, deixa lá isso agora

Teu filho merece o melhor

Vais dar o nome de Aurora

Mulher de meu irmão Belchior.



Lá foram as duas vizinhas

Num chasso velho a gemer.

Não sei quem gemia mais alto:

Se o carro ou se a mulher...



Pela primeira vez na vida

Maria está deveras assustada

Não tem ninguém a seu lado

Nem mãe, marido ou cunhada.



Petrov Kaspar, ao seu serviço

Vamos lá tirar esse rapaz

Há-de ser um homem forte

Saudável, inteligente e sagaz.



Entre gritos lancinantes

De qualquer um arrepiar

Sem folha de bananeira

Faz ela um último esgar.



Já cá fora o garoto

São e escorreito, garante

O médico russo a sorrir

À cabo-verdiana diletante.



Avisem o Sr. Baltasar

Patrão do Zé carpinteiro

Que este já cá tem um filho

Com carapinha e sem dinheiro.



Cabelos louros não tem

Nem mirra, incenso ou ouro

Mas tenho a certeza que vem

Ao mundo em versão de rei mouro.



Não sei se fábula será

Esta minha história banal

Só sei que aconteceu um dia

Quase em vésperas de Natal.



Ana Paula Mabrouk

Sem comentários: