domingo, 27 de dezembro de 2009

Mãe - Lurdes Breda



MÃE

Há quanto tempo não tens um carinho?

Uma palavra de amor, um beijo, uma rosa?

Tu, que não tiveste tempo para ser menina...

Trocaram a tua boneca de trapos sujos pela escravidão da enxada.

Puseram-te num campo onde cavaste as tuas próprias trincheiras,

defendendo-te de inimigos que não divisavas.

Em cada jornada, vencias a fome com o suor do teu rosto moreno.

Saciava-la com as lágrimas traiçoeiras, que choravas, furtiva,

disfarçada no escuro.

Mas também sonhaste... Os teus sonhos inocentes,

de criança prisioneira, pediam-te liberdade e,

vezes sem conta, voavas para longe.

Vinha, então, o teu carrasco de voz irada

e cortava as asas com que fugias.

Eras mulher num corpo gaiato e aceitavas, resignada,

a tua sorte, porque assim tinha de ser.

Palmilhavas caminhos sinuosos com os pés nus, sangrando.

Mas, nas mãos, levavas o Sol e o gume cortante da foice

com que ceifavas o trigo.

Quando ias à escola, um carrasco ainda pior sentenciava-te

duros castigos, porque ingenuamente erravas o á-bê-cê!

Era outra a cartilha em que aprendias...

Num mundo feito de amargura,

onde a sombra da miséria era o pão de cada dia,

lutavas como a flor no prado.

Resistindo sempre às tempestades

e não te contaminando de amargura.

Se deixaste cair algumas pétalas no longo labirinto,

cresceste generosa e altruísta.

E transformaste-te numa linda mulher

que frutificou e sabe amar...

Amando até aquele campo que, antes,

te parecia uma pesada pena.

Hoje, com infinitas atenções,

lanças-lhe sementes de vida, como as que tu mesma geraste.

Eu sou um rebento de ti, a minha força é o teu sangue,

o meu coração bate pelo teu.

No entanto, são incontáveis as noites

em que te roubei o sono e te dividiste em mil cuidados...

Do trabalho dos teus braços nasce a abundância do nosso pão,

Que tantas vezes, em silêncio, tiraste da tua boca...

Tens sempre um sorriso para curar as minhas dores.

Os teus olhos, cansados, contam-me madrigais de papoilas

e o teu corpo ondula, como seara madura, na brisa do poente.

As tuas mãos calejadas são o livro mais belo

que alguma vez foi escrito!

Nelas leio, sem vergonha,

a tua história humilde, na qual me ensinas a ser honesta e fraterna.

Mãe, no meu beijo, ofereço-te um milhão de rosas!

Lurdes Breda

in "Asas de vento e sal" 2005

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