domingo, 28 de fevereiro de 2010

Tempestade - Ana Oliveira



re-volta
, mísero entulho
, re-volta
___devolve-me os bens
e refaz esta terra
desmanchada
em rio impiedoso
de lama corrente

A inércia do tempo - Turíbia Figueiredo



A INÉRCIA DO TEMPO



O tempo passa e é sempre outono.
Lareira da saudade sempre acesa,
os troncos despidos, trovejando de vontade,
o cheiro da terra na chuva das memórias.

Há sempre um lugar deserto no banco do jardim,
onde repousam as folhas,
fulvas de ternura.

O teu rosto demora mais no meu olhar
contra o frio da janela no tempo inerte.

O tempo corre parado no céu das lembranças,
e o teu cheiro perpassa a sala dos livros,
onde os teus olhos em sonhos se perderam.

Tento virar as páginas do destino e sei
que o tempo sempre passa ao verão alheio.

O outono permanece nas sombras do jardim,
invadindo a casa, rasgando o espaço
onde no abrigo da lareira me recolho
como se uma fatia de sol pudesse saborear.

A tua ausência, porém, gela-me os dedos,
e, na construção do lar das palavras
onde no teu calor me quero enroscar,
é sempre tempestade, é sempre nostalgia.


O teu sorriso, a tua voz, o teu cheiro,
resistem, teimosamente, à corrente temporal.


Sei que ele corre no calendário, mas tenho
o coração pregado ao outono, o corpo
incendiado no banco do jardim,
sentado no silêncio rasgado da casa.

que guarda o tempo que nunca passa.



Turíbia Figueiredo

tempestade - Orlando Jorge Figueiredo



nas memórias dos rios
nas almas submersas
nas metáforas
de luz e lama

nas feridas do vento
nas palavras de sangue
nas memórias dos rios
que buscam as águas
e rompem os leitos

encontro o teu nome
gravado
tatuagem
de fogo

orlando jorge Figueiredo

Tempestade - Isabel Rosete



Amo a paz dos desertos,
A serenidade da solidão infinita
Onde encontro a tranquilidade.

Aí permaneço,
Nessa espécie de refúgio do Mundo,
Onde se encontram todas as tempestades!

Aí me fixo e habito,
A salvo dos olhares alheios
Que me penetram a alma;

A salvo das mãos dos outros,
Por vezes, sedosas,
Por vezes, criminosas…
Que me apontam para o rosto;

A salvo das mentes incriminatórias,
Despojadas de bom-senso,
Que só vêem o visível;

A salvo dos espíritos perversos,
Completamente abomináveis,
Que a verdade atrofiam.

Isabel Rosete

In Pedaços - Madalena Oliveira



“(…)

E chegou aquele Inverno frio e ventoso. Temporais que faziam estremecer a alma e a terra e o mar. A trovoada era frequente e frequentemente sobre o mar. Lembro aquela
noite, noite da tua ausência, o ribombar dos trovões era mais forte do que os meus ouvidos podiam suportar. Desde o momento em que a noite se iluminava pela luz espectacular do relâmpago, até ao instante do rebentar do trovão, não havia tempo para contar o tempo! Parecia imediato. Dois planos contraditórios se seguiam Por um lado, a visão fascinada pela luz inebriante, levava-me a desejar que aquele efémero instante se prolongasse no tempo; por outro, com os ouvidos ensurdecidos pela dor, desejava que acabasse súbito aquele suplício. E o ribombar dos trovões durou noite fora.
Era madrugada quando regressaste. Cabisbaixo, não deste explicações. Também não as pedi.


E continuou o vento a assaltar as nossas vidas e eu estremeci. E vieram os temporais com rajadas fortíssimas e os furacões e os tornados… E os deuses que tinham abençoado este AMOR foram por eles levados e eu fiquei desamparada!
E o nosso AMOR, montanha de rocha maciça, desmoronou-se, qual duna sem vegetação, sem termos forças para a segurar.
Por certo que em algum momento pecámos contra os deuses.
Março, tempo do despontar da Primavera, tempo de arar a terra e de a fecundar. Chegada das aves migratórias, chilreios, galanteios, construção de ninhos…
Março não me trouxe o prenúncio da fertilidade, mas antes o da morte. Os indícios foram chegando….

(…)”

In Pedaços

Madalena Oliveira


Tema semanal - Tempestade



O tema desta semana foi: Tempestade.
Nos próximos post podem desfrutar de alguns poemas dos membros do GPA.

Saudações poéticas,

Rita Capucho

domingo, 21 de fevereiro de 2010

Destinos Predestinados - Anabela Pais



Destinos predestinados

De Píramo as pupilas rebrilharam
Ao ver Tisbe passar do outro lado.
"Junto à branca amoreira", combinaram.
O seu segredo estava bem guardado.

O muro fortalece o sentimento!
A transgressão torna-se desafio!
A branca amoreira, o acolhimento
Dos jovens babilónios do desvio.

Duro caminho calca o belo jovem!
O que Tisbe antes tinha iniciado.
Para o mesmo lugar ambos se movem,
Mas Tisbe perde o véu ensanguentado.

Ó homem, por que és tu pessimista?
Seria o entusiasmo da paixão?
Por ter visto na amada outra conquista
A sua espada uniu ao coração!

Tisbe regressou à velha amoreira
E os frutos eram sangue e não alvor.
Píramo, amado, jaz à sua beira
Ela angustiada, morta mas de amor.

O homem é lince precipitado!
Da leoa havia a amada fugido,
Porém cai-lhe o véu de sangue manchado;
Píramo ao vê-lo, sentiu-se perdido.

São amantes que dormem livremente,
Haverá vida nessa eternidade?
Julieta e Romeu no inconsciente
Da nossa coeva imaturidade!


Anabela França Pais

Destino - Turíbia



Destino silenciado



Doem-me os dedos no jornal, onde a foto do teu sorriso público
estremece sob as memórias do meu olhar.
Dou comigo na gare do oriente, levada pelas notícias antigas
do nosso amor adolescente.
E, com os pés enrolados na areia, a praia das maçãs vai-se
demorando em beijos de amoras selvagens
sobre os meus ombros despidos.
Regresso, devagar, ao quarto lunar, onde o corpo faminto contra
a parede contava a nossa história nos painéis espelhados do luar.
Nesse tempo, a tua voz era Lisboa no meu colo cantando
só para mim, enquanto, de mãos entrelaçadas, a tarde subia
no cansaço de quem regressa do castelo dos mouros.
Lembro-me do cheiro do peixe no forno e das tuas mãos ardendo
em todos os recantos do meu corpo salgado, Sintra sobre a mesa,
e éramos nós o amor com tantas horas para contar mais tarde.
Doem-me os olhos das lembranças e o orvalho distorce o teu sorriso,
prisioneiro do presente mundano, sem tempo para acender
as lareiras do desejo. Mar, gaivota, ondas de prata, céu, areia quente.
Doem-me as palavras azuis , nesta tarde em que as guardo
nas mãos fechadas do silêncio.



***********************

(IN)DESTINO


Levo as mãos às tuas em pensamento.
Regresso ao silêncio com os dedos
amargurados de ternura.

Acontece-me tantas vezes...

É no silêncio escuro da casa
branca que te procuro.

Assim te falo dos gestos
dos corpos em flor.

Entro na tua boca,
por entre um sorriso cheio de sol e mar,
e já não há noite
nesta casa adormecida.

Um beijo atravessa as palavras
e o mar somos nós
na ternura dos dias.

Desperto do lado da saudade.

Nunca entraste neste corpo
e nunca daqui partiste.

Desejo incendiado este sonho
tão acordado nas veias.

Acontece-me tantas vezes...

Dizer que gosto de ti
é apenas uma gota deste mar.



turíbia

O truque - Regina



O TRUQUE

Não acredito no destino
Por isso o desafio:

— Vês as linhas da minha mão?
— Claro...

Pateta, nem repara que estou com o punho fechado!


Regina

Destino - Isabel Rosete



"Destinos da Alma"

A Alma humana
Destituiu-se de si.

Paira na bruma
Das tardes cinzentas,
Sem tranquilidade,
Sem paz.

Percorre
Os infinitos caminhos do Mundo,
As estradas desertas,
Sem rumo determinado.

Procura
O Paraíso perdido
Em todos os corpos outros,
Sem saber qual é a sua linhagem.

Ofusca-se
Com os raios do Sol,
Na intensidade do seu
Do seu brilho e esplendor.

Vagueia
Pelas ondas imensas
Do mar revoltoso,
Companheiro dos ventos do Norte.

Oh, ventos malditos,
Que tudo arrastam,
Movem
E deslocam,

No intenso redemoinho universal
Da Vida que rodopia
Em todos os espaços opacos,
Por todos os lugares indescritíveis.

A Alma humana aí está
De novo, destituída de si.

***********************

"Do meu destino"

Amei o Amor dos Outros
Por entre cardos e glórias.
Despenhei-me,
Ultrapassei-me…
E, ainda, aqui estou!

Quereis o meu sangue?
Quereis a minha carne,
O meu corpo?

Quereis a minha voz?
Quereis a minha Alma
Rejubilada no terror das amarguras?

Vá,
Dizei,
Se ainda tendes coragem!

É claro que jamais o fareis,
Gente miúda
De mente pequena!

Isabel Rosete

Destino - Manuel Dias da Silva



Os solitários caminhos
continuam, para além do sorriso
gasto pelas tempestades,
iluminados pelos ventos, segundo
regras inalteráveis do sonho.

A primavera hesita
em chegar, quando sentimos,
na corrente dos rios, o frouxo abraço,
a lenta amargura
das imagens, que o inverno
concentrou na ausência das estrelas.

Enquanto procuramos os contornos do canto,
ou a terra seca,
ou o voo dos pássaros,
entrando-nos pelos olhos,
o inevitável espera-nos sempre
entre Cilas e Caríbdis.


Manuel Dias da Silva, A Gola do Tempo

O meu destino - Orlando Jorge Figueiredo



o meu destino
é estar sentado
na beira da estrada
sentir a chuva
morder a neve

não sei se é o coração
apenas sinto uma dor

põe aqui a tua mão
sente a minha pele
escreve-me uma carta
com desenhos de nuvens

talvez seja o coração
não sei
apenas sinto uma dor


orlando jorge figueiredo

Destino - Maria Manuel



atravesso as horas nas páginas abertas
como terra arável em mãos concretas.

da sombra a luz na ordem das ideias
no instinto das águas das pedras,

metamorfoses. da minha voz,
a madrugada do dia por vir.


*** *** ***


essas pedras imperturbáveis
na nudez das madrugadas.

sem promessa de dias claros,
nossas casas de pedra por habitar.


silêncio aos abismos de mármore
passos pelas sombras do caminho,
em volver-se pedra contra o tempo.


Maria Manuel

Destino - Naia sardo



Quando a conjugação de circunstâncias
ou de acontecimentos
que influem de um modo inelutável
na vida de cada um se faz sentir,
então, a situação resultante dessa combinação,
fica dirigida a alguém ou algum facto
e a aplicação dessa fatalidade
põem-nos à deriva e sem destino.

E esses acontecimentos,
contra as quais não se pode lutar,
são de uma inevitabilidade fatal.

Tal como o fado diz,
o destino marca as nossa vidas.

Naia Sardo


Destino - Teresa Soares



Destino

Já quis ser pássaro.
Agora
apenas desejo
seguir-lhe o voo.


Teresa Soares


Tema Semanal - Destino



O tema desta semana foi: Destino.
Nos próximos post podem desfrutar de alguns poemas dos membros do GPA.

Saudações poéticas,

Rita Capucho

segunda-feira, 15 de fevereiro de 2010

Corpo - Marta Dutra




encontrar corpos lânguidos
despidos em quartos escuros
bocas abertas
mãos estendidas
e seivas pungentes
recriar todo um quadro perdido
suado
esquecido

Marta Dutra

EL CARIBE - Regina



EL CARIBE



No tempo em que eu tinha um mar
O meu corpo era inteiro
Um brinquedo nas ondas sem tempestades
Onde eu encontrava histórias transparente

Tinha a cor dos peixes adormecidos
Num mar que me levava ao colo
E eu abria os braços como as palmeiras

E gostava tanto de fazer buracos
De medir a idade em centímetros
Que faltavam para crescer
Para chegar com as pernas
Até ao fundo da areia dourada

Mas esse mar perdeu-se no nunca mais
A infância ficou muito além do atlântico
Só guardei uma lembrança quase mítica
Do meu corpo ainda leve e livre

Passou o tempo
Agora o mar já não me mergulha
Só me bate forte nos olhos cansados

Regina

Corpo - Orlando Jorge Figueiredo



sei que me guardas
na esquina
do teu desejo
naquele lugar
inesperado
onde se deitam
as mensagens
secretas
da tua pele

sei que me esperas

o teu corpo
nas ervas nuas
o teu corpo

sei que aguardas
a aventura
dos pássaros
a minha mão
percorrendo
o teu corpo
os beijos
feitos de palavras

sei que me esperas

sei que te guardo
nas noites brancas
do meu desejo

orlando jorge figueiredo

domingo, 14 de fevereiro de 2010

Corpos - Turíbia




Não sei se estás comigo no abrir das asas pela manhã,
ou no restolhar das folhas passeando pelos pés da tarde.
De ti, sei que entras subitamente pelos poemas,
portas abertas para tantos recantos da alma,
anunciando a noite como um fruto cheio de gomos
doces e o meu corpo nela se aninha, como pássaro
exausto de tantas viagens.
Sei ainda da polpa dos teus dedos,
ávida preguiça do desejo, adejando
no meu tronco dobrado em arco.
E são tantos os teus dedos despertando
a minha pele, campo de tílias,
sacerdotisa lendo o destino
nas linhas que correm no pulmão dos lençóis.
E são tantos os teus beijos mordendo
o meu pescoço em carícias de júbilo,
os meus seios inchados de gula pela tua boca,
o meu fruto sumarento suplicando a única fome
que o acalmará, mensageiro do prazer
na respiração do leito, trincando
o céu da boca do amor.
Não sei se estás comigo quando o céu do horizonte
se rasga para além das estrelas,
ou na melodia dos passos que as crianças
trazem nos pés no final da tarde.
Sei apenas que entras pelos poemas nascentes da noite,
cheia de verbos quentes,
e os sujeitos
somos nós,
breves e vorazes,
como os orgasmos.


***************

Corpo Solar

Guarda-me em ti como um segredo
das nuvens, escondendo a lua
por entre as tépidas noites de agosto.

Guarda o meu corpo aceso no espelho
perplexo, iluminando o leito onde os
meus longos cabelos adormeciam
no teu peito serenos.

Guarda os nossos murmúrios
atravessando as tardes de verão,
até que a noite caía sobre a
morna cumplicidade da cama.

O vento assobiava por entre as
frestas da janela e, na música
que ele nos trazia, mil juras
cantávamos de eterna paixão.

Guarda toda essa sinfonia primaveril
que, em euforia, nos animava o corpo
em gestos de amor solar.

Guarda-me no teu peito largo,
no teu lago de memórias,
nas tuas asas morenas,
no jardim das tuas glórias,
no teu dorso de cavalo alado.

Guarda-me em ti como um segredo,
como criança no teu peito adormecendo,
pois nesses instantes em que morri,

mil vezes contigo renasci.

Turíbia



Corpo - Teresa Soares



Corpo


Os Corpos sem casa
habitam espaços
que o Arquitecto ainda não projectou.

Teresa Soares

Poema da Língua - J.T. Parreira



POEMA DA LÍNGUA



A língua do seu amor
sabia a rebuçado, a língua
do seu amor era um perfume
de jardim
para o enxame de abelhas
de seus dentes

A língua do seu amor
atravessava-se
no caminho
até à alma.


J.T.Parreira

Dos corpos - Maria Manuel



DOS CORPOS


na nudez clara do teu olhar
escuto o areal da nossa casa
ecos de um marulhar a ser
água na inteireza dos lábios.
nossos corpos enlaçados
mãos abertas sobre o ventre.

como se uma ardência nas paredes
suturadas da pele, uma redenção.



A PINA BAUSH

os vestidos vermelhos serpenteiam
os corpos em meio do quotidiano
encenado na percussão do palco.

de desencontros, mulheres e homens
esgotando os rumos improváveis
dedos intrépidos a pulsar fios de sangue
pernas como precipitadas de sedentas.

súbito um segundo, os corpos parecem
levitar o ar de ossos arqueados, limite
de um vácuo na terra dos homens
volteio de braços a desafiar o enlace.
nós emudecemos suspensos.


Maria Manuel

Wanda - Ana Paula Mabrouk



WANDA

Como chuva quente teus beijos me molham e escorrem, sôfrega de ti, ávida de tempestades. Um arrepio entre mãos quentes e nervosas, um revoltear de negros fios sedosos sobre os ombros nus e um deslizar premente, um sorriso liberto. Movimentos carentes, uma busca de mais, do Além, riso e esquecimento. Um arquear de costas, um ainda gentil morder de lábios, um cerrar de olhos. Um fluir de afluentes e rios e mares. Novas marés. Um revolto ar de formas, gemidos de prazer, palavras sussurradas. Orvalhos cintilantes. Montanhas coroadas, espetadas, desafiadoras e tão doces de escalar. E vales escuros, resguardados, com leitos secretos. Aqui um regato; aí uma vara nua, orgulhosa, a pique. Pronta a frutificar. Um descer de montanha, uma brisa escaldante. O sol a pico. Maré alta, maré baixa; maré alta, maré baixa. Marés vivas. Ondas que se enrolam num contínuo movimento, sem princípio, nem fim. Trovoadas e relâmpagos e o céu acastelado de nuvens sopradas com pressa. Vendaval de emoções. Mãos crispadas, nervos retesados. Alta tensão. E eis então uma descarga de voltagem colossal, um desaguar de vaga alterosa, um cometa morrendo nos céus. Assombroso, magnífico, imponente!... e impotente perante a sua morte. Descida vertiginosa ao abismo. Última faísca de vida. Um estremecer de estrela cadente! Um último olhar...E um milhão de outras estrelas, novas promessas no firmamento. Um suave e suado olhar aos olhos da lua minguante, que mente ao crescer .

Ana Paula Mabrouk, Alfabeto no feminino, Mar da Palavra, 2005

Corpo - Isabel Rosete



O meu corpo
Em sofrimento contínuado
Consome-me todas as energias

Fico exausta
Prostrada

Permaneço deitada
Sem força
Para os membros erguer

As minhas mãos
Ainda não escrevem
O que o meu pensamento
Lhes determina

Até quando?

A incógnita
Persiste
Neste meu estar de agonia
Sem tréguas

Agonia-se-me a alma
Aproximo-me da Morte
A qualquer momento
Esperada

Sinto que o colapso final
Está aí
Algures
À minha espera
Pronto a revelar-se

Não o temo
Em mim jaz
Em mim está integrado

Lembra-me
Quão a existência é efémera
Quão ninguém
Somos
Neste espaço de arrogância
Que alimenta a incompreensão dos outros


****************

O mesmo corpo

Somos amantes

Inter-seccionados.



Esquecemos o Mundo.

Fechamo-nos

Nas nossas próprias conchas.



Esquecemos os Homens.

Queremos ser só nós.

Nada mais importa!



O Amor preenche-nos.

Por completo

Alimenta

Os nossos corpos

Ardentes,



As nossas almas

Inundadas

De intensa alucinação.



Temo-nos,

Apenas,

Um ao outro.

E isso basta-nos.

É mais do que Tudo.

Está para além do Nada.



Tornamo-nos esféricos

Auto-suficientes.

Esquecemos o Universo.

Permanecemos

Em todos os espaços.



Somos o mesmo corpo

A mesma alma

O mesmo sangue

O mesmo plasma

A mesma pele...



Somos um só organismo

Que se auto-preenche,

Prenhe de fertilidade.



Esquecemos a Vida,

Vadia,

Repleta de futilidades.



Esquecemos a morte

Somos eternos!


Isabel Rosete

Corpo - Madalena Oliveira



Corpos em simbiose,
Um grito que rasga o céu.
Lassidão de sentidos…
Tacteio o teu corpo,
Percorro-o qual mapa.
Na tua pele,
Afago as areias do Sahara.
Nos teus planaltos,
Encontro Gizé.
No teu rosto,
Bebo o Mediterrâneo.
Inspiro,
E o cheiro doce das searas de trigo,
Ondulantes, loiras,
Levam-me além Tejo.
Já não sei onde estou.
Mas sei que somos corpo,
Intersecção,
Fusão.


Madalena Oliveira

Quarentena - Ana Oliveira



* quarentena


corpo isolado
por quarenta dias
corpo epidémico
por quarenta noites
corpo molestado
por quarenta mãos
corpo não tratado
por quarenta ausências

corpo sem contacto
corpo ventilado
corpo malfadado

Ana Oliveira

Tema Semanal - Corpo



O tema desta semana foi: Corpo.
Nos próximos post podem desfrutar de alguns poemas dos membros do GPA.

Saudações poéticas,

Rita Capucho



domingo, 7 de fevereiro de 2010

* Ternura - enClaves - Ana Oliveira

* ternura - enCLAVES

ofereço-te

o meu carinho

em balanço ritmado

à nas blue notes

da minha meiguice

- improvisada -

- sem pauta -

de abraços suaves

e a delicadeza do subtil

em valsa de Strauss.

à recolhe-me

os mimos,

os beijos fugidios

e as minhas fraquezas

na cortesias do amor

em notas musicais

ofereço-me a ti

como teclado de piano

desnudado

à toca-me

|||||||||||||||||||||||||||


Ana Oliveira

Música - Maria Manuel Rocha

eram horas inteiras,
incenso de aves
na aragem da idade,
as tardes sentadas
na manta ocre do sótão
ao ritmo do gira-discos
como amigo, revisitação.

às vezes era de aguaceiro
e as árvores arrepiavam frio
mas summertime abrasava
na voz inflamada de janis
e eles logo inauguravam
planos seus de praia e mar
uma ondulação primeira.

woodstock era ali,
nos posters tatuados
nas paredes, nos dedos
vertiginosos de hendrix
um lume alado às estrelas,
nas palavras que trocavam
difusas de amor de lonjuras.

harlem era ali,
na cadência dolente
dos blues, no tecto oblíquo
a inclinar-lhes os segredos
e por dentro das guitarras
brotavam-lhes fracturas,
breve orvalho sobre as aves.

depois o humor de zappa
sátira fabulosa de cristal,
e aquele lado negro da lua
que questionavam em si
mas sabiam de cor sob o sol,
e o grito encenado de jim
que imitavam até ao fim.


Maria Manuel Rocha

O Maestro - J.T. Parreira

O MAESTRO

Ele tosse
como o último ruído
que o liga ao mundo
ele olha o silêncio, espera
de uma fonte
a música cristalina da água
Não vemos, mas ele pensa
em cada um
dos instrumentos musicais
e alonga os braços, depois os olhos e o ouvido
que seguem as mãos
do tamanho da Mão infinita.


J.T.Parreira

Música - Isabel Rosete

1.

A magia da música

Eleva-me a alma

Exalta-me os sentidos

Dobra-me o corpo

Em mil retalhos

Espalhados

Despedaçados…

Por todos os lugares;



Excita-me os músculos

Incita-os ao movimento

Ritmado

Desordenado

Desconexo

Conjugado

Conjunturado…

De cada melodia.



A magia da música

Celebra a embriaguez

Catártica

De todos os cânticos

De Nascimento e de Morte.



A magia da música

Tudo transforma

Faz mover

Vibrar

Sonhar…

Penetra em todos os espaços

Ultrapassa o Tempo

E o limiar da Eternidade…




2.

Orfeu…



O deus da lira e do canto

Da catarsis musical…



Sempre presente

No reino dos vivos

E dos mortos…



Amando

Sofrendo

Lamentando…



Uma dádiva de magia

Que os rochedos

Comovia …







3.



Uma espécie de sossego musical

Desponta numa alma

Sempre aberta

A todos os renascimentos;



Sempre disposta

A partilhar

Os mais preciosos frutos

De cada amanhecer.



Isabel Rosete

Música - Naia Sardo


Música

À arte e à técnica de combinar os sons de maneira agradável ao ouvido e à sequência de sons harmoniosos cuja cadência ou ritmo lembram uma melodia, dá-se o nome de música.


Quando me levanto escuto-a na cama.
Vou ao quarto de banho e levo-a comigo.
Tomo o pequeno almoço escutando o som das várias notas que se intervalam.
Entro no meu carro e sou acompanhado por belas melodias.
No local de trabalho sintonizo a minha estação.
Saio do trabalho e vou tomar um drink ao som das "últimas".
Ao regressar ao lar ligo a TV em canais musicais enquanto ajudo a minha mulher, pondo a mesa.
No fim do repasto levanto a mesa ao som do que sai da rádio.
Deito-me e adormeço cansado de mais um dia de trabalho e embalado pelas músicas que escuto.


Naia Sardo

Tema Semanal - Música

O tema desta semana foi: Música.
Nos próximos post podem desfrutar de alguns poemas dos membros do GPA.

Saudações poéticas,

Rita Capucho

terça-feira, 2 de fevereiro de 2010

Viagem - Anabela Pais

Viagem



Entrei na tua alma e fui em frente.

Depois virei à esquerda, docemente.



Mais longe interpretei-te com ar sério,

Quis ver se descobria o teu mistério...



Não sei se esse teu mar é um deserto,

Nem sei bem se estou longe ou se estou perto.



Porém, eu fico triste por abrir

a porta dessa tua alma a sorrir

e ver...Ah que afinal és o que sinto!


Anabela Pais

segunda-feira, 1 de fevereiro de 2010

Viagem - Orlando Jorge Figueiredo



a distância
é feita de ausências

penso
o choro
os gritos
o desespero

não ouço
o choro
os gritos
o desespero

o barco inquieta-se
na angústia de zarpar

não basta sentir o mar
é urgente partir


orlando jorge figueiredo

Sem Retorno - Ana Oliveira



* sem retorno



garrote

dose

excessiva

cavalo

drogas

tóxicos

branca

cra.cks

vómito

sangue

últi/má

viagem

xxx

x

|

|

|

over


Viagem - Andrea Henriques

Eis o norte
Convencionado estrela polar.
Do vento que corta ao bafo quente
Do frio ao fogo
Do norte ao sul
Eu vou e regresso
Bamboleio-me na linha oscilante
Num vai e vem constante.

Na alma nasceu-me o princípio
A semente ainda não germinada
A procura da paisagem desejada
Que algures existe sem mim

Habita em mim.
O mar – esse – em todo o lado.


Andrea Henriques

Na Grande Estação Central - J.T. Parreira



NA GRANDE ESTAÇÃO CENTRAL

Un hombre está mirando a una mujer
César Vallejo



Na Grande Estação Central
um homem está olhando uma mulher
por uma janela do comboio
um olhar de vidro
para uma mulher que espera
enquanto molha uma revista
em lágrimas

Na Grande Estação Central a plenitude
entre uns olhos e a mulher olhada

Uma mulher que chora
uma mulher interminável
olhada através do frio
do vidro
que começa a partir para um destino.

J.T.Parreira

Viagem - Isabel Rosete



O meu pensamento viaja

Prenhe de fertilidade.


Vagueia

Por todos os espaços

Ainda não visitados.


Escuta,

Todos os sons,

Ainda não admirados.


Cheira

Todos os odres

Ainda não apurados.


Todos os rostos

Ainda não des-ocultados.


Tacteia

Todos os estares

Ainda não apreciados.


Comove-se

Com a imensidão do Mundo

Ainda não des-velada.


Sente

Todas a emoções

Ainda não experimentadas.


Penetra

Em todos os espíritos

Ainda não percepcionados.


Abarca

Todas as sensações

Ainda não vivenciadas.


Diviniza

O êxtase da criação

Ainda não des-florado.


Espanta-se

Com a beleza dos orbes celestes

Ainda não avistada.


Exalta-se

Com a escassa felicidade dos Homens

Ainda não consumada.


Glorifica-se

Com os segredos da Vida e da Morte

Ainda não des-mitificados.


Apaixona-se

Pela face oculta do mistério,

Ainda não re-velada.


Prende-se

Nos atalhos labirínticos de todas as incógnitas

Ainda não manifestados.



Isabel Rosete

Tema Semanal - Viagem

O tema desta semana foi: Viagem.
Nos próximos post podem desfrutar de alguns poemas dos membros do GPA.

Saudações poéticas.